top of page

“Olha a ideia que o professor Frazão tem da ciência”
Frazão x Drauzio: a entrevista controversa

População imperatrizense

População imperatrizense vai às ruas em apoio ao professor Frazão.

Em 12 de setembro de 2010, uma entrevista no programa Fantástico, no quadro “É bom pra quê?”, causou polêmica ao estabelecer um confronto entre o professor  Frazão  e o médico Drauzio Varella. O objetivo da conversa era debater fitoterapia, ciência e a validação das pesquisas com plantas medicinais, área de atuação do pesquisador. Contudo, o tom da entrevista acabou desmerecendo o trabalho do professor maranhense, levando muitos a considerarem a abordagem de Varella como uma tentativa de descredibilizar as práticas e pesquisas de Frazão.

Os apresentadores do Fantástico na época, Renata Ceribelli e Zeca Camargo,  introduziram desta forma a matéria: "A partir de agora, o Dr. Drauzio Varella vai contar a história de um químico do Maranhão que fabrica e receita produtos à base de plantas para tudo, para todos os tipos de doenças. Um absurdo, não?" A reportagem prometia expor e debater o uso indiscriminado de substâncias naturais como tratamento universal para enfermidades variadas, levantando questões sobre a eficácia, segurança e responsabilidade em torno dessas práticas.

No início da reportagem, uma senhora chamada Carmozina vai ao posto de saúde com uma ferida, e o médico local, não identificado, recomenda o uso de uma pomada de graviola. Segundo relatos, cerca de 90% dos pacientes que usavam este remédio na época, afirmavam obter cura. No entanto, ao comentar o caso, Drauzio Varella foi direto ao ponto, afirmando que "não serve para nada", invalidando a sua eficácia. A discussão levantou o debate sobre a veracidade dos benefícios dos tratamentos à base de plantas e o risco de confiar em produtos que carecem de comprovação científica sólida.

Frazão

Professor Frazão, em uma sala aparentemente do SUS, onde realizava a distribuição das pomadas

Durante a entrevista, Drauzio Varella destacou que, embora Frazão fosse pesquisador e químico, ele não era médico, o que levantava dúvidas sobre a validade científica de seus estudos. "Nesse local, o professor consulta pacientes, faz diagnósticos e receita remédios à base de plantas, e, pasmem, outra vez, sem ser médico", comentou Varella.

Frazão, que desenvolvia remédios à base de plantas e mantinha um centro de pesquisas em Imperatriz, foi retratado de maneira que sugeria uma proximidade com o charlatanismo. Varella sugeriu que, por não ter formação médica, Frazão não teria competência para prescrever tratamentos fitoterápicos, o que gerou uma grande controvérsia e incomodou profundamente o pesquisador e seus apoiadores. A matéria levantou uma discussão acalorada sobre os limites entre a pesquisa científica e o exercício da medicina, questionando até que ponto o conhecimento científico justifica a prática terapêutica sem formação médica formal.

No segundo ponto da entrevista, Drauzio Varella conversou com Raymundo Paraná, que na época era presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia. O médico mencionou que já existiam relatos na literatura sobre os efeitos da graviola em modelos experimentais, incluindo danos a alguns órgãos. “A Anvisa tem um guia de fitoterápico e relata que o uso prolongado da graviola pode ter alterações no pâncreas e levar ao diabetes”, comenta.

Drauzio Varella

Drauzio Varella questiona, em rede nacional em 2010, a eficácia da pomada de graviola.

Apoiado pela opinião do especialista, o apresentador do quadro apresenta o seu veredicto. "O caso que documentamos em Imperatriz, no Maranhão, é apenas um pequeno exemplo desse descontrole absurdo que põe em risco a vida dos brasileiros", concluiu  Varella. O secretário da Saúde de Imperatriz na época, Reinaldo Guimarães, também participou da reportagem e se posicionou de forma contrária ao uso de plantas em tratamentos de doenças. "O que eu posso dizer é o seguinte: se eu estivesse com uma ferida infectada no membro inferior direito, eu não ia passar pomada de graviola. Seria um erro acharmos que a política do Ministério da Saúde sobre fitoterápicos estimula esse tipo de coisa". Essa declaração se mostrou mais um duro ataque à prática de Frazão.

Em resposta, o pesquisador alegou que testou os remédios em leprosários e asilos de idosos. "A gente foi vendo com o tempo que ela foi tendo uma reação de regeneração de tecido". Contudo, Drauzio Varella não hesitou em rebater as afirmações de Frazão, acusando-o de ser fraudador e antiético. "Será que as pessoas com hanseníase e os velhinhos estavam cientes de que estavam sendo usados como cobaias? Olha a ideia que o professor Frazão tem da ciência", disparou o apresentador do quadro, destacando a gravidade das práticas sem a devida supervisão ética.

Hilda Maria, enfermeira que atua na área há anos, foi convocada a participar da reportagem e, em sua breve intervenção, afirmou: "Há quatro anos estamos indicando a pomada do professor Frazão", ressaltando a prática comum em sua rotina. Drauzio Varella, em uma abordagem crítica, foi até o Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para testar a pomada de graviola desenvolvida por Frazão. No experimento, Varella comparou a eficácia da pomada com a de um creme neutro. Os resultados foram contundentes: "A pomada de graviola não passou no teste; não houve diferença nos ferimentos tratados com a pomada feita com a planta e aqueles tratados com o creme neutro. Ou seja, tanto faz uso da graviola ou não", declarou Varella, sublinhando a falta de evidência científica para o produto.

Fantástico - Dr. Drauzio Varella mostra químico que fabrica produtos à base de plantas.

Além disso, Varella entrevistou Gilberto Schwartsmann, na época coordenador do Laboratório de Câncer do Hospital das Clínicas de Porto Alegre. Questionado sobre a recomendação de pomadas sem registro em postos de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), Schwartsmann afirmou: "Acho que é uma falta de responsabilidade, digamos assim, do ponto de vista de respeito ao próximo, ao ser humano".

No dia 13 de setembro de 2010, o professor Frazão participou de uma entrevista ao vivo na TV Difusora de Imperatriz para responder à reportagem exibida pelo programa Fantástico. Durante a conversa, Frazão destacou sua decepção com a abordagem da matéria, que considerou parcial e sensacionalista. Mas reafirmou seu compromisso com as pesquisas e seu trabalho voltado à população de baixa renda.

"O meu sentimento foi um sentimento de certeza, porque o que foi combinado antes da reportagem era mostrar a importância da fitoterapia na saúde pública. Porém, o que foi ao ar focou apenas em aspectos negativos, ignorando anos de resultados positivos", afirmou Frazão durante a entrevista.

Frazão no Fantástico

Em 2010, a pomada de graviola do professor Frazão foi destaque no Fantástico.

Ele destacou que a equipe de reportagem passou quatro dias em Imperatriz, colhendo depoimentos e visitando pacientes beneficiados pelos medicamentos desenvolvidos na UEMA. Contudo, segundo ele, nada disso foi mostrado: "Eles registraram várias pessoas curadas de feridas de diabetes, mas apresentaram apenas argumentos contrários, sem fundamento", defendeu-se o professor. Frazão relembrou ainda que, em 2008, a rede Globo já havia divulgado uma reportagem sobre os benefícios da graviola, que repercutiu positivamente na época. "Foi uma surpresa desagradável ver como mudaram o perfil da cobertura. Isso não apaga os resultados de 20 anos de pesquisa e os benefícios que trouxemos para tantas pessoas", pontuou.

Sobre as críticas científicas apresentadas na matéria, Frazão mencionou na mesma entrevista televisiva que a fitoterapia é reconhecida por especialistas renomados, como o professor Francisco José de Abreu Matos, da Universidade Federal do Ceará (UFC), e que sua pomada já tinha sido tema de uma palestra na Ucrânia. "A satisfação de ver pessoas humildes sendo beneficiadas é maior do que qualquer abalo causado por uma simples reportagem", declarou.

O professor do cursinho “Seja mais”, Erick Rocha, amigo  de Frazão, comenta que em relação à matéria do Fantástico, os bastidores foram complicados. “Ele achou que eles tinham boa fé e, dentro do contexto, ele não procurou nem os parceiros da época para tentar fazer uma divulgação legal. E aí ele foi engolido, por ter se individualizado”, avaliou. Ainda complementa que talvez tenha até sido egoísmo do próprio Frazão achar que teria um momento de estourar na mídia e, por isso, acabou engolido por uma traição.

Erick diz que chegou a aconselhar o professor depois do ocorrido. “Eu disse pra ele: ‘Se tu tivesse procurado os médicos, os enfermeiros, o pessoal da Vila de Saúde, tu não teria caído na pegadinha’”. O professor do cursinho revela que não sabe ao certo se foi egoísmo ou vontade de aparecer, no sentido de vender a pomada, o que enganou Frazão. “Não vender financeiramente, mas vender a pomada que ele criou, que é criação dele. Era um produto útil, a irmã Juliana, lá da Vila João XXIII, usava demais.”

Nesse sentido, o amigo de Frazão frisa que, acreditar nas intenções do entrevistador, foi um erro do professor. “Não sei se por boa fé, ou por vacilo. Mas ele vacilou e ele sabia disso”, comentou. Erick ainda relembra sobre a revolta dos cidadãos de Imperatriz e a manifestação de rua que fizeram em prol do professor Frazão.  “Depois da matéria, eles fazem uma passeata, mas nada que comparasse um horário global no Fantástico”.

A repercussão local foi de apoio ao pesquisador, também com manifestações nas redes sociais e blogs. "Fico satisfeito e com muita alegria ao ver esse apoio. Isso me dá ainda mais força para continuar minhas pesquisas e saber que estou no caminho certo", concluiu Frazão na entrevista à TV Difusora. Apesar da polêmica, o professor enfatizou, na época, que seguiria firme no trabalho que estava desenvolvendo há décadas e agradeceu às pessoas que manifestaram solidariedade. "Recebi inúmeros telefonemas e mensagens de apoio. Isso só reforça minha certeza de que o que fazemos é legítimo e importante", finalizou.

Passeata em apoio ao Frazão

Em uma só voz, a população de Imperatriz foi às ruas: 'A Rede Globo não manda aqui'.

Dias após a exibição do quadro do Fantástico, em 15 de setembro de 2010, apoiadores de Frazão organizaram uma passeata. Os manifestantes criticaram duramente a abordagem do programa, munidos de cartazes e palavras de ordem. Defenderam a idoneidade de Frazão e acusaram a Globo de agir com má-fé, desmoralizando tanto o pesquisador quanto a cidade.

"É lamentável o que fizeram com o professor. Aqui em Imperatriz sabemos de sua integridade e do valor de seu trabalho. Mas e o restante do Brasil? O que eles devem estar pensando?", questionou Ana Lúcia Silva, uma das participantes do ato. Ela ainda sugeriu que Frazão procurasse outros veículos de comunicação para apresentar a sua versão dos fatos.

Nas redes sociais, familiares, amigos e admiradores de Frazão também expressaram indignação. O filho do professor, Marcos Frazão, destacou, na época, que o pai era "um excelente profissional, íntegro e comprometido em ajudar a população", e acusou a Globo de usar "sensacionalismo barato" para atrair audiência.

Josafá Ramalho

Josafá Ramalho na bancada do Jornal da Difusora.

Além disso, teorias sobre os possíveis motivos por trás da reportagem começaram a surgir. Alguns acreditam que grandes laboratórios farmacêuticos poderiam estar incomodados com o trabalho do professor, que desenvolvia medicamentos acessíveis para comunidades carentes. "Será que há interesses políticos ou da indústria farmacêutica envolvidos?", questionou Jean Moraes, morador de Imperatriz, em reportagem sobre o protesto exibida na época.

Apesar das críticas veiculadas pelo quadro “É bom pra quê”, o professor Frazão manteve o apoio inabalável da comunidade local. Para muitos, ele representava um exemplo de dedicação à pesquisa científica e resistência frente às pressões econômicas e midiáticas. "Quando pensávamos que algo positivo sobre nossa cidade seria mostrado em rede nacional, eles resolvem atacar a figura de um homem tão ilustre. Não será uma reportagem de 15 minutos que apagará uma vida de pesquisa e dedicação", afirmou Jean Moraes à televisão.

A mobilização também se estendeu à internet. Em vídeos e fóruns online, muitos criticaram a Globo e reforçaram o apoio ao pesquisador. Um dos comentários mais compartilhados veio de Fernando Cunha, que resumiu o sentimento da população local: "Mais uma vez a ‘dona’ do Brasil, a Rede Globo, faz das suas... Por que se dar ao trabalho de vir tão longe para desmoralizar um professor humilde de uma cidade do interior? Acho que o lobby de grandes laboratórios multinacionais, incomodados com as pomadas do professor, está por trás disso. Imperatriz acredita em você, professor Frazão. Vá em frente e não olhe para trás."

difusora_02.png

Josafá Ramalho entrevista professor Frazão na TV Difusora.

A polêmica reacendeu debates sobre a ética jornalística e o impacto de matérias sensacionalistas. Para muitos críticos, o programa foi além do necessário ao questionar de forma contundente um trabalho que, embora não tivesse comprovação científica formal, já havia trazido benefícios práticos para a população local.

Além disso, o caso levantou questões sobre o poder da mídia em moldar narrativas e influenciar percepções públicas. "O que vimos foi um ataque a um pesquisador que faz ciência com poucos recursos e ainda ajuda os mais pobres. Isso diz muito sobre o Brasil", afirmou, na ocasião, Maria Eduarda Santos, moradora de Imperatriz.

Enquanto a controvérsia continuava gerando debates, a figura de Frazão emergia como um símbolo da resiliência de cientistas independentes no Brasil. Para os moradores de Imperatriz, ele era visto como motivo de orgulho e inspiração, enfrentando não apenas críticas, mas também interesses que vão além do campo científico.

Anos depois, em uma entrevista concedida ao Imperatriz Notícias, site do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, em 2017, Frazão relembrou o episódio, que, segundo ele, teve efeitos positivos inesperados em sua carreira. Para o professor, a controvérsia ajudou a dar visibilidade ao seu trabalho, tanto no Brasil quanto internacionalmente. Frazão afirmou que o episódio permitiu que a comunidade científica passasse a conhecer seu trabalho, e criticou Drauzio Varella, acusando-o de manter laços com a indústria farmacêutica, o que teria influenciado sua postura na entrevista.

Professor Frazão na TV Difusora

Antônio Frazão se manifesta sobre reportagem da TV Globo para afiliada da SBT em Imperatriz.

Apesar do confronto com Varella, o professor Frazão manteve uma trajetória respeitada no campo da fitoterapia. Em 2008, ele foi premiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema) e recebeu o título de cidadão imperatrizense pela Câmara de Vereadores de Imperatriz. Além disso, Frazão tinha uma formação acadêmica sólida, sendo mestre em Geoquímica pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e livre-docente pela Universidade Nacional da Ucrânia. Suas pesquisas concentravam-se no estudo das propriedades medicinais de plantas e frutos, buscando sempre uma interface entre a ciência e o conhecimento popular.

Na época da reportagem do Imperatriz Notícias, Frazão também atuava na Secretaria Ambiental de Saúde de Imperatriz, na qual era responsável pela análise de solo, água, ar e pela resposta a catástrofes ambientais. Embora enfrentasse dificuldades típicas de pesquisadores no Brasil, como a escassez de recursos, Frazão continuava investindo em suas pesquisas, particularmente em um projeto voltado à cicatrização de feridas, que ainda estava em fase de estudo científico. Ele também colaborava com o programa nacional de farmácia Viva, uma iniciativa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a implementação de farmácias especializadas em medicamentos fitoterápicos em todo o país.

O professor ressaltou, na ocasião, a importância do Maranhão no campo da fitoterapia, citando a doutora Terezinha Rego como uma das figuras mais importantes e influentes na área, reconhecida tanto no Brasil quanto no exterior. Com trabalhos realizados em Cuba e em Londres, a pesquisadora foi uma das inspiradoras do trabalho de Frazão e outros pesquisadores maranhenses, que continuaram a desenvolver suas pesquisas sob a influência de suas contribuições.

Apesar das críticas e do episódio polêmico com Drauzio Varella, Frazão continuou sendo uma referência no estudo de plantas medicinais no Brasil. Sua pesquisa, focada na integração do conhecimento tradicional com a ciência moderna, buscou soluções para áreas como cicatrização de feridas e tratamento de doenças crônicas. O confronto com Varella, embora controverso, serviu para abrir portas para o reconhecimento do trabalho de Frazão, que seguiu firme na defesa da fitoterapia como uma medicina alternativa viável e eficaz.

Entramos em contato com a equipe do Dr. Drauzio Varella para verificar a possibilidade de uma entrevista, inclusive informando o tema central e o link da matéria, que está disponível no You Tube, mas sua assessoria informou que, devido à agenda cheia, ele não pode assumir novos compromissos. Em resposta, a equipe declarou: “Dr. Drauzio agradece o carinho e o convite, mas está impossibilitado de assumir novos compromissos e parcerias, por absoluta falta de tempo.”

REPORTAGEM

Tayná Duarte


DIAGRAMAÇÃO E MONTAGEM

Tayná Duarte e Rubem Rodrigues


IMAGENS

Arquivo Pessoal, Daniel Sena, Edmara Silva, Fernando Cunha,

TV Difusora (afiliada do SBT) e Globoplay

ESTE TRABALHO FOI ELABORADO COMO PARTE DA CONCLUSÃO DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COM HABILITAÇÃO EM JORNALISMO DO CENTRO DE CIÊNCIAS DE IMPERATRIZ (CCIM), SOB A ORIENTAÇÃO DO PROF. DR. ALEXANDRE MACIEL.

12 de fevereiro de 2025

bottom of page