“Ele só parou quando morreu”
Legado de dedicação e altruísmo

Festa de 40 anos das filhas Ana, idealizada por Frazão, realizada em 2021, após sua morte.
Ana Paula, filha do professor Frazão e herdeira da fórmula da pomada, comentou a repercussão da reportagem exibida pelo Fantástico: “Ele não quis investigar, não quis levar para frente, mas a gente acha que foi uma forma de atacar ele por ter negado a venda dessa fórmula. Porque, a princípio, eles vieram com uma proposta de evidenciar o trabalho dele”.
Contudo, segundo Ana Paula, o resultado foi completamente diferente: “Saiu totalmente ao contrário. A gente acredita que foi uma traição, inclusive com a cidade”. Para ela, a imagem da comunidade também foi prejudicada: “Na verdade, o que fizeram não foi só com ele, mas com a cidade, porque denegriram também a imagem da cidade na época”.
Além disso, Ana Paula destaca que não houve qualquer retratação por parte dos envolvidos: “Não deram nenhuma satisfação, nunca explicaram e nem se retrataram. Ele ficou arrasado mesmo, não conversava com ninguém. Foi um período bem difícil para ele sair daquela”. Apesar do impacto, a população de Imperatriz demonstrou apoio ao professor.
“As pessoas se mobilizaram em prol dele. Foi muito bonito. Inclusive, nós fomos – ele não teve condições de ir mesmo, de sair de casa. Mas eu fui com os filhos, nós fomos para a praça”, comentou a esposa Luísa. O momento, descrito por ela como histórico, marcou a união dos cidadãos em frente à TV Mirante, a retransmissora local da rede Globo, o destino final da passeata, que partiu da Praça de Fátima.
Em resposta à reportagem do programa Fantástico, da Rede Globo, que abordou de forma polêmica a prática de Frazão com plantas medicinais, o professor Expedito de Carvalho, seu colega na UEMA, em defesa da prática, escreveu uma carta em apoio à validação do trabalho de Frazão. No texto, ressaltou a importância da união entre a ciência acadêmica e os saberes populares. “[...] A dignidade e a honradez do povo imperatrizense, do Professor Augusto Frazão, das instituições públicas e republicanas de Imperatriz, da Etnobotânica e da Fitoterapia não serão eivadas por uma matéria com edição comprometida com fins que não visam ao interesse público nem ao bem-estar físico, mental e social que caracteriza a Saúde Humana”, afirma o texto original.
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Frazão, descontraído, faz pose em cima de uma moto Suzuki.
"Eu vi ali uma grande oportunidade de valorizar a medicina popular e os conhecimentos tradicionais. O Frazão estava usando da etnobotânica para ajudar as pessoas, e aquilo precisava ser reconhecido", defendeu Expedito, que, na época, atuava como diretor da Universidade de Imperatriz.
A amiga da família, Gilsa Freire de Santana, também comenta sua visão sobre o episódio envolvendo Frazão e o renomado médico Drauzio Varella. "A gente soube, assim: ‘Ah, o Drauzio Varella vai entrevistar o Frazão e tal’. E aí a gente ficou todo mundo animado, né?". Segundo ela, a expectativa era de que o trabalho do pesquisador fosse mostrado de forma positiva. No entanto, Gilsa relata que o resultado foi decepcionante. "Porque foi tipo assim, como se fosse medicina ilegal, né, que ele veio denunciar."
Gilsa descreveu, ainda, a postura dos familiares de Frazão após o episódio. "Mas eu vi a família muito quieta, não falava nada. Eu também não quis tocar no assunto." Apesar disso, ela afirma que o trabalho do pesquisador continuou. "Quando estava lá depois disso, na casa, as pessoas continuaram indo buscar o medicamento. Uma pessoa foi pegar as pomadas e a Luísa falou que ele continuava fabricando para as pessoas."
Para a amiga, a imagem de Frazão foi evidenciada como se ele fosse um charlatão, uma pessoa que estava usando de má-fé, fazendo usufruto desse processo. “Mas, se a gente pensar no campo do Frazão, era pequeno. Não é uma coisa grande, não tinha interesse financeiro”, defende Gilsa, relembrando que ele nunca cobrou pelas pomadas e nem buscou qualquer tipo de lucro ou reconhecimento.
A reportagem, que sugeria irregularidades no uso de galpões da então denominada Universidade Estadual do Maranhão para armazenamento e produção dos medicamentos, também não explorou os impactos positivos do trabalho de Frazão na comunidade. “Durante a reportagem, poderiam ter mostrado uma pessoa beneficiada dando depoimento, dizendo: ‘Ele não cobra nada, ele faz as pomadas e nunca cobrou nada.’ Só apareceram coisas ruins, como dizer que ele estava usando o galpão da UEMA.”
A motivação para a exposição, segundo Gilsa, permanece um mistério. “Deveria ter algum interesse por trás, mas quem? Eu não sei. Será que foi dentro da universidade? Que alguém se incomodou com o que ele fazia?” Para ela, a razão pode estar no impacto do trabalho altruísta de Frazão. “Eu acho que ele estava incomodando por fazer o bem. As pessoas até hoje questionam isso”.
A UEMA, atual Uemasul, onde Frazão exerceu grande parte de sua carreira como pesquisador e professor, manteve uma postura de não comentar sobre os aspectos pessoais de sua vida e sobre o ocorrido com Drauzio. “O comportamento da universidade, da instituição, a UEMA, foi apenas não tocar no assunto. Não tinha o porquê a gente falar sobre, não tinha o porquê a gente falar sobre aquilo”, relatou o professor Gilberto Freire. Embora a vida acadêmica de Frazão tenha continuado com o mesmo profissionalismo e dedicação, o sofrimento pessoal não foi um tema discutido abertamente dentro da instituição.

Professor Frazão no laboratório da Infraero produzindo pomada da graviola.
A postura serena de Frazão frente às adversidades e seu compromisso com a cidade como pesquisador e ser humano continuam sendo lembrados por todos que tiveram convívio com ele. Segundo os seus amigos pessoais e profissionais, a capacidade de abraçar a vida, mantendo-se íntegro e amoroso, mesmo diante das tragédias que lhe foram impostas, fez de Frazão um exemplo de resiliência, humanidade e profissionalismo.
Com toda a repercussão, inclusive pela reportagem, a (Infraero encerrou as atividades do laboratório que ele mantinha no aeroporto, dificultando o seu trabalho após a exibição da reportagem. Um colega de Frazão da atual Uemasul, que preferiu não se identificar, revelou que a universidade deixou de custear suas pesquisas. “Foi um período muito difícil para ele”. Mas com todas as adversidades que enfrentou, o pesquisador e professor Frazão continuou fabricando as pomadas, segundo garantem alguns entrevistados.
“Ele só parou quando morreu”, afirma Luísa, confirmando que Frazão manteve suas pesquisas e a produção da pomada até seus últimos dias de vida. Após seu falecimento, ele deixou para a família não apenas a fórmula do produto, mas também um legado de dedicação, altruísmo e impacto positivo na comunidade.
“Ele teve um enterro digno, apesar da dor de não poder ficar com ele”
Últimos suspiros de esperança
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Logo comemorativa do moto clube Águias Cromadas.
Ana Paula, filha de Frazão, compartilha com profundidade as lembranças de seu pai e os momentos que antecederam a sua partida, nos primeiros meses de 2021. Antes de ser entubado por consequência de agravamento da Covid-19, ele pediu o celular de sua filha, Ana Paula, para gravar um áudio. Com a voz trêmula, ele fez um pedido simples, mas que revelava todo seu medo e preocupação com o futuro. "Cuide da mãe de vocês", ele disse, como se soubesse que aquele poderia ser seu último momento.
"Ele estava com medo de morrer. Assustado. Ele falava muito: 'Cuida da mãe de vocês', como se quisesse dizer 'estou indo embora, cuide dela'. Ali percebi", relatou Ana Paula, que sentiu o peso das palavras enquanto o pai gravava o áudio. "Eu percebi que ele queria deixar segurança da vida dele em nossas mãos."
Nos dias seguintes, o medo de perder Frazão foi exacerbado pela solidão que ele enfrentou na internação. "Nos primeiros dias, o hospital não deixava ele ter acompanhante, e isso o assustou. Ele parou de comer, não tomava banho. Então ele ligava para os amigos, tentando se manter firme, buscando um pouco de alento", conta Ana Paula. Ela viu seu pai se despedir de muitos de seus amigos por meio de chamadas de vídeo. "Esses amigos entraram em contato depois e falaram que ele se despediu de forma muito carinhosa de todos."
As palavras finais de Frazão continuam ecoando no coração de Ana Paula: "Guarde com você, preciso ir agora". Essas palavras não foram apenas um pedido, mas uma despedida carregada de amor e apreensão. Para a filha, esse gesto representou o medo de seu pai diante da incerteza e a tentativa de deixá-la preparada para o futuro. "Ele sabia que o pior estava por vir", acredita.
A história dos últimos dias de Frazão foi marcada por dor, luta e o imenso apoio da comunidade. Em um relato comovente, Luiza, sua esposa, compartilha os momentos mais difíceis da batalha de Frazão contra a Covid-19 e dos momentos que passou ao lado dele, lutando pela vida e oferecendo todo o carinho possível.

Frazão, apreciando tranquilamente um fim de tarde na beira rio.
"Ele começou a apresentar mal-estar, mas no início não parecia ser Covid. Os sintomas eram mais de enjoo e vômito, sintomas que ele já havia sentido quando teve um problema renal no final de 2019", relembra Luiza, refletindo sobre a dificuldade de identificar os primeiros sinais da doença.
A princípio, os testes de Covid não apontaram a infecção. "Ele fez dois testes de Covid. Um fizemos levando-o à UPA [Unidade de Pronto Atendimento] de São José, onde o teste deu negativo", explica Luiza. A esposa confiava que os sintomas eram apenas consequência de problemas renais anteriores.
No entanto, a médica, ainda sem a confirmação de Covid, orientou um caminho diferente. "Achávamos que era algum problema renal, mas a médica disse que, apesar dos testes negativos, era Covid. Ela me mandou ir direto para a UPA e pedir uma tomografia", conta Luiza, que já estava começando a perceber a gravidade da situação.
A tomografia confirmou o pior: Frazão estava com Covid. "Lá, fizeram os testes e deu positivo. Ele foi levado para o [Hospital] Macroregional [Dra. Ruth Noleto], já com um balão de oxigênio. A situação estava muito grave", lembra Luiza, descrevendo os primeiros momentos de angústia.
Ele foi internado na enfermaria, mas logo seu estado se agravou. "Ele ficou na enfermaria de 7 a 12 de março, depois foi para a UTI, onde o quadro só piorou. A cada dia, os sinais vitais e a oxigenação pioravam", afirma Luiza, visivelmente emocionada ao relembrar a difícil jornada pela qual passou.
A luta pela internação foi ainda mais desafiadora. "Não tinha vaga para internar. Foi uma agonia até que, às 2 da manhã, surgiu uma vaga no Macrorregional", diz Luiza, relatando a tensão que vivenciou junto aos profissionais da saúde, enquanto aguardava por uma chance de tratamento para Frazão.
Nos momentos finais de Frazão, Luiza acompanhou a transformação de seu marido, que perdeu a consciência devido ao estado crítico. "Nos últimos dias, ele já não voltou mais à lucidez. Sempre mantido com medicamentos que deixavam a pessoa apagada. A gente sabia que ele nos escutava, ou pelo menos achávamos que ele escutava quando conversávamos com ele", relata.

Frazão em uma das fotos mais divulgadas nas redes sociais após sua partida.

Colete do Professor Frazão, do moto clube Águias Cromadas.
Apesar das dificuldades, os familiares mantiveram-se unidos e o apoio foi fundamental. "A família toda parou em prol dele. A equipe médica foi muito atenciosa e carinhosa, sempre nos explicando tudo sobre o estado dele", agradece Luiza.
Durante a internação, a esposa recebeu apoio da comunidade e de amigos. "Mobilizamos muitas pessoas e empresários para ajudar, com doações de sangue, fraldas e material de higiene. Isso nos dava alento, o carinho das pessoas nos dava força", lembra, com gratidão.
O momento da despedida foi doloroso, mas Luiza sente que seu amor e carinho chegaram até Frazão. "No dia 9 de abril, eu passei a tarde com ele. Ele faleceu no dia 10 de abril, às 6 horas da manhã. Foi muito difícil, mas a gente sabia que ele estava ouvindo e sentindo nosso carinho", compartilha, com a voz embargada.

Professor Frazão observando folha annona muricata, árvore da graviola.
O último ato de Luiza foi garantir que Frazão tivesse uma despedida digna. "Consegui garantir que ele não fosse enterrado de fralda, como estavam fazendo com muitas pessoas. Ele teve um enterro digno, apesar da dor de não poder ficar com ele", diz, com um misto de tristeza e alívio por ter conseguido proporcionar ao marido a dignidade que ele merecia.
Segundo Luísa, o maior legado deixado pelo professor Frazão, foi a “união da família”, ensinando a importância de estar de mãos dadas em torno de um objetivo comum: “proteção, amor e cuidado”. Como pai, demonstrou esse valor essencial. Como mestre, as muitas pessoas que ele ajudou a abrir a mente e a compreender a educação sendo o caminho mais importante. Ela também menciona o impacto como pesquisador, ajudando a reduzir o sofrimento de muitos. Isso é amplamente reconhecido e celebrado pela comunidade imperatrizense e região, por meio de depoimentos de gratidão e admiração.
